Melhores pessoas do que éramos

Afonso Rocha Pereira

10/8/20212 min read

De que havemos de falar?

Se está tudo dito?

Ou será que podemos falar o silêncio?

Quero ouvi-lo primeiro.

Mas não o consigo perceber nesta barulheira de estímulos.

Mesmo que não façam barulho, ocupam espaço. E o espaço ocupado faz mais barulho do que imaginas. Para ouvir o silêncio também preciso de espaço. De preferência um espaço em branco, sem quadros e sem pinturas concretas. Muito menos abstratas, porque me perco cá dentro à procura de um significado.

Quero que tudo faça sentido, mas não me ocorre qualquer sentido universal, seja para o que for. Mas enfim, porque é que haveria eu de querer encontrar um sentido universal? Faz-me acreditar que sempre vivi muito sobre o olhar dos outros, como se o olhar dos outros fosse a única coisa que me definisse como pessoa.

Talvez melhor seja encontrar primeiro o meu sentido. Talvez por isso deseje um espaço em branco. Para me poder ouvir. Sem o teu olhar a perpetuar-se como vozes que me dizem o que hei de pensar de mim.

Quero brincar ao silêncio, se quiseres brincar comigo, claro.

Se não quiseres, fico aqui sentado a fumar um cigarro, a ouvir o barulho do tabaco a queimar à medida que o puxo para dentro.

Lá estou eu.

Se calhar este sou eu. Aquele que olha para ti primeiro antes de me olhar.

Porque é que haveria de lutar contra a minha própria natureza?

Só consigo pensar numa coisa. Que não sou feliz. Assim.

Que raio.

O mais engraçado, é que a minha motivação primária de me querer conhecer e cuidar, seja para que depois possa cuidar de ti.

No fundo, há coisas que nunca mudam.

Só muda quem quer.

O que significa que só é feliz quem sente que merece ser feliz.

E isso é algo que eu quero, e sei que posso mudar.

Ocorreu-me dizer agora que te amo.

Mas ainda não sei.

Não te vou pedir mais para esperares por mim.

Há vida para além destas paredes.

E eu não sei o que vai acontecer quando eu abrir a porta que ainda não construí.

Se eu te amar, é porque me amo.

Aparentemente, isto pode soar vagamente narcísico. Mas é a coisa mais romântica que te poderia dizer.

Afinal, ainda não está tudo dito.

Falta dizer os silêncios que fomos guardando na cabeceira.

Quem sabe, depois, possamos conversar como naquelas noites que guardei o teu coração e tu o meu.

Mas por enquanto, devolve-me o meu.

Espera, aqui está ele.