Devíamos criminalizar quem disse que a "idade dos porquês" tem uma idade!
Perguntar "Porquê?" é hidratar a alma
Porque perguntamos “porquê?”?
Porque não?
Perguntamos “porquê?” porque queremos saber mais, porque queremos unir as peças do puzzle que é a vida, para então atribuir um sentido/significado/simbolismo à mesma. Isto é, para encontrar uma justificação plausível aos nossos próprios olhos, para um facto (será mesmo um facto?) que nos parece incrivelmente estranho e fantástico ao mesmo tempo: estarmos vivos (e ainda por cima morremos). Não é por acaso que montar um puzzle seja uma atividade de “miúdos e graúdos”. E também não é por acaso que a “dita” idade dos porquês comece na mesma idade em que as crianças começam a aceder ao pensamento simbólico.
Perguntamos “porquê?”, porque queremos aprender a vida, a viver a vida, ou a ser. Mas porque é que queremos aprender a vida?
Retornar aos “porquês?”… Porquê?
Creio que tenha sido a minha avó, quem uma vez me disse: “Só aprendemos a viver, vivendo”. Mas e o que é que aprendemos na verdade? A viver/ser? Então… haverá alguém que me saiba explicar como é que se vive a vida ou como se é?
Bastará sobreviver com sucesso para se saber viver/ser? Mas e o que é sobreviver com sucesso? Bastará trabalhar, comer/beber, cagar/mijar, socializar, fazer sexo/reproduzir, amar/ser amado e dormir? Ou bastará até, apenas ser, como Buda disse? Harlow, nas suas experiências dilemáticas, ensinou-nos que os macacos não vivem apenas de comida, mas também de conforto e afeto, de sentir que existe um outro. Já Spitz, percebeu que as crianças que na infância fossem incapazes de se vincular com uma figura cuidadora desistiam de viver, e morriam por marasmo. Enfim, acho que podia fazer uma dissertação sobre o que poderá ser sobreviver com sucesso, ou sobre o “porquê?” de querermos viver.
Num mundo em que todos os dias, cientistas brincam com a genética humana com os olhos postos na amortalidade, em que, pouco a pouco, se aumenta a esperança média de vida, e em que a fome e a sede aparentemente se encontram em vias de extinção nas sociedades ricas, talvez sobreviver já não seja suficiente para se saber viver/ser, pelo menos para os ricos (já que, à medida que o tempo se transforma, os humanos têm aniquilado, ou pelo menos adiado, cada vez mais, a angústia de morte da sociedade). Talvez sobreviver nunca tenha sido totalmente suficiente para qualquer Homo sequer sentir que sabia ser, mas a partir do momento em que o suicídio mata uma pessoa a cada 40 segundos (mais do que os homicídios), percebe-se que, sobreviver (fisicamente), nos dias de hoje pode mesmo não ser suficiente para se saber viver/ser, a não ser que o suicídio também seja uma forma de “saber viver/ser”.
Mas se saber sobreviver não chega, que mais é preciso para aprender a vida?
Será preciso ser… feliz? Ou “fazer” os outros felizes?
Ou ainda, teriam os Ascetas razão? “Desejemos não desejar”?
Que atire a primeira pedra quem souber viver/ser.
Quem souber as respostas… a todos os porquês.
…
Será que, se tivéssemos fome/sede, parávamos primeiro para perguntar “porque temos fome/sede?”, ou será, que iríamos antes de mais, à procura de comida/água? Talvez sejamos seres pragmáticos… E se o formos, quererá isso dizer que só perguntamos “porquê?” quando não temos fome/sede?
Para caçar um javali não precisamos de saber porque é que ele prefere determinados territórios a outros por exemplo, só precisamos de saber o que é que os javalis “fazem da vida”, quando e como. Não precisamos de saber o “porquê?” de um javali viver de maneira X para o caçar, só precisamos de saber que ele vive de maneira X para perceber a forma mais eficiente de o caçar. Muitos evolucionistas argumentam até, que o primeiro cérebro humano tenha sido o intestino, e só depois o cérebro como o conhecemos hoje. Quero com isto dizer que talvez tenhamos começado a perguntar “porquês?” essencialmente quando tínhamos a barriga cheia.
Mas e porque é que começámos a perguntar “porquês?”? Creio que, para nos alimentarmos ainda melhor, a todos os níveis. E alimentámo-nos tão bem, que: tornámo-nos (aparentemente) seres conscientes. Isto é, talvez só perguntemos “porquês?”, porque temos somos uma consciência (ou pelo menos uma mente/corpo) capaz de se sentir e de se pensar a si mesma. E os “porquês?” sendo eles uma tentativa de significar a vida, acabam por tornar os símbolos e os significados/sentidos o alimento da alma, ou melhor, do segundo cérebro.
Mais barrigas cheias, poderiam assim significar: mais idas ao ginásio da consciência. E à medida que o segundo cérebro humano se desenvolveu (a consciência/mente/corpo) e o pensamento se complexificou, expandiu-se a necessidade de se alimentar a si mesmo. E nos “mundos desenvolvidos/ricos” em que é raro alguém passar fome/sede (em que a angústia de morte está atenuada, em que o primeiro cérebro não passa fome) seria de esperar que tivéssemos mais tempo para questionar os “porquês?” da vida e alimentar mais o segundo cérebro.
Temos “mais” tempo, mas menos espaço. Temos “mais tempo, mas não temos mais alimento simbólico, o alimento da consciência - reflexo disso, são as estantes vazias das secções de poesia das livrarias, e o investimento precário na Arte por todo o Mundo, e claro, não nos esqueçamos que 800 mil pessoas por ano têm “dito” que as suas respostas aos “porquês?” da vida, por muito sentido que possam fazer, não são sentidos que façam valer a pena, continuar a viver, isto é, que valham a pena continuar a procurar “porquês?”. Tornando-se o suicídio uma opção “sensata”.
Parece assim… que a procura contínua dos “porquês?” e suas hipotéticas respostas, pode ser em si, um sentido da vida e uma vida do sentido. O desejo de saber as respostas aos “porquês?” ou até simplesmente de perguntar “porquês?” faz parte da pulsão de vida, já os Ascetas, parece-me a mim, que queriam, por vezes, morrer antes de morrer (quem não deseja são os mortos). É por isso que digo provocatoriamente que “devíamos criminalizar quem disse que os “porquês?” têm uma idade”, porque os “porquês?” são parte do que nos dá vida, são desejos de viver.
Já os suicidas, ou até os mortos vivos, poderão acreditar que encontraram todas as respostas a todos os “porquês?”, dessa forma deixam de existir dúvidas no pensamento, e deixam de ser procurados significados benignos, que contrariem os significados malignos que lhes confirmaram ao ouvido a certeza de que desejam fazer OFF à vida.
Ora, quando não respondemos ou ignoramos dar uma resposta com sentido e significado aos “Porquês?” dos nossos filhos, ou até mesmo dos nossos empregados, estamos exatamente a dar-lhes o sinal de OFF, não às suas vidas, mas à parte das suas vidas que deseja viver, e assim se “produzem” crianças (e depois adultos) com medo de viver, com medo, de perguntar: Porquê?
Muitas crianças essas, que depois, se tornam adultos com traços vincados de sadomasochismo, alguns suicidas (800 mil por ano). Porque se o mundo à sua volta não quer saber dos “porquês?” e dos “porquês dos porquês?”, perdem-se os significados e a alma fica subnutrida, vazia. O que talvez queira dizer, que não vale a pena viver, e cria-se a ilusão, de que basta: sobreviver, de que basta alimentar o intestino, para que a vida valha a pena de se viver.
Se uma professora dissesse aos seus alunos que beber água tem uma idade limite, e que a partir de determinada idade seria proibido beber água, colocar-lhe-íamos algemas? Se sim, estamos à espera de quê para “colocar algemas” em quem diz que o “porquê?” tem uma idade? Mas…Talvez os advogados internos dessas pessoas pudessem refletir e contra-argumentar:
A idade dos “porquês?” é a idade que a vida tiver.