Devemos tentar ser felizes?

Afonso Rocha Pereira

6/15/20223 min read

Se existe algum sentido mais ou menos universal para a vida que temos o privilégio de presenciar, talvez seja: viver uma vida boa.

Cidadãos, filósofos, sacerdotes, psicólogos e psiquiatras são capazes de dividir-se sobre o modo de como se vive uma vida boa, mas são capazes de acordar que a vida vale a pena de ser vivida quando é uma vida boa.

A essa vida boa, muitos de nós, temos associado a noção de felicidade.

Ser feliz seria então viver uma vida boa. E note-se que falamos em “ser” felizes e não em “ter” felicidade. Esta noção de ser, leva-nos a supor que há uma certa continuidade do Ser feliz. Assim, ser feliz não será tanto um sentimento, mas um estado (sujeito a transformações).

“Feliz” deriva do latim “Felix” que se associa às palavras “fértil” e “frutífero”. Desta forma, ser feliz significaria ser “gerador de frutos”.

Já se formos ao dicionário da língua portuguesa, “feliz” é revelar sentimentos de contentamento, satisfação e realização.

Ora, sem uma definição universal sobre o que é ser feliz, obtemos uma resposta. Embora possamos concordar com algumas linhas base fundamentais para um Ser feliz, ser feliz será subjetivo a cada humano.

Chegados aqui, levante a mão quem não quer ser feliz!

Talvez os Ascetas levantem a mão, já que uma boa vida, a seu ver, será a aniquilação dos desejos, pois só dessa forma atingir-se-ia a harmonia espiritual, a plenitude ou a paz interior. De qualquer forma, encontrar essa paz, mesmo que através de uma suposta renúncia ao prazer, no final de contas, essa paz seria aquilo que lhes daria prazer. Isto é, no limite, o desejo dos Ascetas seria o desejo de não desejar (quem não deseja são os mortos).

Vale lembrar Aristóteles, que escreveu que a felicidade seria “o fim último de toda a ação humana”. E olhar o seu contraste com Saramago, que dizia que a felicidade seria egoísta, porque não seria compatível com a indignação e a luta, preferindo falar em harmonia. No entanto se olharmos para a felicidade como “geradora de frutos” deixa de fazer sentido chamá-la de egoísta, já que “gerar frutos” é compatível com a revolução.

Talvez tenha sido Freud quem melhor descreveu o modo de como os humanos se movimentam (ao procurarem a sua vida boa). Freud ao falar da compulsão à repetição dos humanos, escreveu que dentro de nós, existe uma pulsão inata que nos inclina até ao prazer – contudo, o prazer também tem formas estranhas de se manifestar, como é exemplo o masoquismo, formas estranhas essas, que muitas vezes, podem afastar a pessoa do Ser feliz, mesmo que ela sinta gozo do seu masoquismo.

(Sentirmo-nos aliviados, não é sinónimo de nos sentirmos amados e amantes).

Por isso, parece-me pouco justo chamar felicidade ao prazer imediato, já que esse, pode ser contrário a ser feliz. Não é que os momentos imediatos de prazer, não nos possam proporcionar felicidade, podem. Mas considerar a felicidade sob esses momentos, talvez nos leve a pensar mais num “ter” felicidade do que em “ser” feliz. E parece-me que ser feliz, não significa estar sempre animado, mas saber viver com alegria e tristeza. Viver uma vida boa, não significa uma vida ideal, mas uma vida pela qual, acordar, seja motivo de nos sentirmos privilegiados pelo milagre da vida.

Voltando agora à questão: Devemos tentar ser felizes?

Sim, no sentido que é a atividade que permite movimentos empreendedores rumo ao prazer subjetivo de cada um de nós. E não. Não devemos tentar ser felizes se a felicidade se transformar numa espécie de objetivo que nos esconda o sabor do seu caminho.

Foi também Saramago que disse “A felicidade ou é ou não é” com o sentido de que se andarmos “atrás dela” perdemo-la. No entanto, ela só é, quando somos capazes de perceber a sua vida subjetiva em nós e ir ao seu encontro, mas permitindo-a também, na sua fluidez natural, de vir ao nosso encontro.

Ou melhor, ela não será se andarmos atrás dela ou ela atrás de nós, talvez faça mais sentido, andarmos com ela.