A saúde que existe na maluqueira

Ser maluco não é sinónimo de louco

Afonso Rocha

7/10/20233 min read

Já todos ouvimos a expressão “granda maluco/a!”. Ou, como alguns adolescentes costumavam dizer para descrever uma experiência entusiasmante: “que louco!”.

Se tivermos uma sorte sábia, todos temos um “amigo” assim (dentro de nós).

Nós temos uma sabedoria tão apurada que apenas pelo modo de dizermos “maluco” sabemos distinguir se se trata de uma verdadeira loucura ou de uma maluqueira sábia. Aliás, várias vezes usamos a expressão “maluco” com um significado algo diferente de “louco”, mas o dicionário não nos ajuda a ser didáticos nesta matéria, pois trata ambas as expressões “maluco” e “louco” quase como sinónimos, quando, se formos rigorosos, (embora “maluco” derive do latim malo = mau) ser-se maluco parece estar ali, um ou dois degraus abaixo de ser-se louco (em latim = insanis). Porque ser maluco é não ter todo o juízo no lugar (é perder, por vezes a razão). E quem tem todo o juízo no lugar, é louco.

O dicionário considera que ser-se maluco é também possuir-se algum tipo de distúrbio mental, assim como na loucura.

É verdade que a loucura implica uma doença mental grave. Mas a maluqueira?

Por exemplo, se abrir o Manual de patologias mentais, desafio-o a ser capaz de não se identificar com qualquer uma das centenas de patologias. Aliás as pessoas saudáveis que começam a estudar psicologia, ao ler sobre saúde mental, se tudo correr bem, questionam várias vezes a saúde da sua própria personalidade, já que existe um leque tão vasto de psicopatologias que é quase impossível não se identificar com alguma. Mas apresentarmos traços psicopatológicos ligeiros não significa que não sejamos pessoas suficientemente saudáveis.

Olhando para a palavra “maluco” como o dicionário a define, ser maluco, não é ter traços ligeiros de psicopatologia, é ter pelo menos 1 ou 2 que se acentuam e que fazem com que a pessoa perca o juízo em demasiadas ocasiões, que podem ferir o Eu e/ou o Outro. Largando as provocações, será mais didático pensarmos: não no ser-se maluco, mas no ter uma certa dose de maluqueira como uma forma de ligação à saúde mental.

E o que é ter juízo? É ter a faculdade de julgar.

E é fundamental saber discernir (julgar) o certo e o errado na saúde mental. Mas ter maluqueira em nós, não tem de implicar não o saber fazer, mas saber quando usar a sabedoria que existe num “que se lixe”.

O que seria de nós e da nossa diversão se em todos os momentos da vida tivéssemos sempre o cuidado de julgar tudo o que pensamos, sentimos e fazemos?

O mais provável será perdermos a nossa espontaneidade – que é uma das palavras próximas da definição de saúde mental. Se aliás fossemos capazes de pensar tudo até às últimas consequências, provavelmente estancaríamos.

Por exemplo, quando andamos de avião, existe sempre a possibilidade de o avião cair e morrermos. Tendo sempre “o juízo no lugar”, faria sentido andar de avião se podemos morrer ao viajar nele? Por poucas que sejam as chances do avião cair, precisamos de um toque de maluquice para andar nele.

Se uma pessoa não anda de avião porque existe uma percentagem de 0,000017% do mesmo cair poderíamos dizer que tem o juízo todo no seu lugar? A essas pessoas poderíamos chamar os loucos do juízo, porque ao tentarem pensar até às últimas consequências, tornam-se fóbicas, ou até autómatas.

Ter maluqueira em nós é também ter o juízo de perceber que a vida é boa quando também somos capazes de largar a razão, já que dar sempre razão à razão, seria tornarmo-nos máquinas de sobrevivência. Seria sermos prisioneiros da censura, presos pelo e no medo de viver.

Ter maluqueira no Eu, é ter a sensatez de perceber que o coração tem razões simples e tão lógicas que nem sempre a razão é capaz de entender.

Existir uma dose de maluqueira em nós, é temperar a comida com sal q.b.. É tornar a vida saborosa.

A saúde que existe na maluqueira é aquela que tempera a vida com bom-senso.