O povo é quem mais ordena

A Guerra é sempre estúpida. Que pelo menos, não seja em vão.

Afonso Rocha Pereira

3/5/20225 min read

É sexta-feira, dia 4 de março de 2022. É dia de Guerra.

O que se passa hoje no Mundo é no mínimo lamentável. A Guerra é deplorável, mas tem uma (ou várias) razão de ser.

Podíamos pensar simplesmente que Putin perdeu de vez a cabeça, mas Putin já tinha invadido outros pontos do Mundo e não se deu todo este alarmismo, o que pode dizer muito sobre o nosso próprio “nacionalismo”. Não deixa de ser verdade que ele não esteja mentalmente são.

De qualquer forma, por mais que seja possível complexificar a razão de ser das Guerras, as Guerras começam dentro de nós.

Antes desta Guerra fomos confrontados com uma pandemia, que com todas as suas controvérsias, veio provar que a bondade existe por todo o Mundo e que quando nos unimos, somos, quase sempre, melhores pessoas. No entanto, as medidas de prevenção e contenção, levaram pouco em conta a saúde mental das pessoas, aumentando significativamente os casos de doença mental, não deve ser por acaso que surgiram um pouco por todo o Mundo ideologias políticas radicais e até antes disso, uma onda de nacionalismo. Exemplo disso, foi o Brexit, o slogan político de Donald Trump “America First” e em Portugal, o partido “Chega” ter-se tornado na 3ª maior força política.

E sempre que o nacionalismo emerge, ao separar as nações, há uma maior probabilidade de emergir também a Guerra.

Ora se o nacionalismo radical pode, em parte, explicar o nascimento de Guerras, o que está no fundo do nacionalismo?

O nacionalismo diz-nos “Nós somos mais importantes que os Outros”. É verdade que para podermos ajudar os outros, precisamos de estar bem com nós mesmos. No entanto, estar bem connosco não significa desconsiderar o bem-estar dos outros. Aliás, muitos de nós sentimo-nos melhores quando os outros ao nosso redor também se sentem bem. Mas, quando nos sentimos tão magoados com a vida, ao invés do bem-estar dos outros nos “elevar”, pode fazer-nos invejar esse bem-estar e, na impossibilidade de nos reconciliarmos com a vida, essa inveja pode transformar-se em ódio. E o ódio: destrói.

Ainda assim, a onda de nacionalismo surgiu mesmo antes da pandemia, o que a meu ver, pode significar que não foi apenas a pandemia que despoletou um aumento de casos de doença mental pelo Mundo, pelo que, é fundamental pensar o que se tem passado no Mundo para ainda vivermos num planeta em que o ódio se transforma em Guerras bárbaras.

Mas antes de mais, é importante entendermos que as Guerras nunca deixaram de existir, tornaram-se simplesmente Guerras, digamos, menos bárbaras, isto é, Guerras económicas e sociais.

O ódio nasce essencialmente de um sentimento de injustiça. Ora, o que tem acontecido nos últimos anos, é que as desigualdades económicas e sociais têm vindo a aumentar de forma dramática – exemplo disso são as brutais diferenças salariais por todo o Mundo e a forma de distribuição a que as vacinas foram sujeitas quando olhamos para o número de pessoas que não foram vacinadas em África e noutros pontos do Mundo.

E quando “a galinha da vizinha parece melhor que a nossa”, quando até trabalhamos tanto quanto a nossa vizinha, facilmente emerge esse sentimento de injustiça. Não foi por acaso que na quarta-feira, no discurso sobre o Estado da Nação e sobre pressão da Guerra na Ucrânia, o presidente dos Estados Unidos, falou logo no início do seu discurso, sobre as desigualdades pelo Mundo e da necessidade da construção de uma economia mais de baixo para cima do que tanto de cima para baixo, isto é, uma economia que olhe mais para os trabalhadores e não tanto para as empresas/produtividade.

Não desejo Guerra alguma a ninguém, mas o que aprendemos com a História é que depois de uma crise, surgem as grandes mudanças. O Mundo não precisa de Guerras, mas precisa de uma mudança. Não só a nível social e económico, como a nível ambiental. A Guerra é sempre estúpida, mas que esta, não seja em vão.

Mesmo com todos os esforços dos cientistas e ativistas pouco tem sido efetivado para proteger o nosso ponto minúsculo no Universo (o planeta Terra) da devastação ambiental que a produção e o consumo excessivo têm impulsionado. Mas, quando Putin fala em ameaça nuclear, os nossos corações disparam. Seja como for, é necessário resolver esta e as outras Guerras, pelo bem dos Ucranianos, dos Russos e de todos nós.

Se as Guerras têm sempre existido, se vivemos num mundo Global e se é o nacionalismo que nos tem vindo a dividir, então, provavelmente é de soluções Globais que precisamos para que nos possamos unir como uma família Terrestre, mesmo coexistindo com as nossas diferenças. Não sonho com uma extinção de conflitos, antes pelo contrário, sonho que os conflitos existam, mas em conjunto com a democracia, para que, não sejam necessárias Guerras. Mas a própria democracia, já provou, que associada a um capitalismo “à lagardere” tem enormes fragilidades, nomeadamente as desigualdades socias, económicas e a devastação ambiental.

Sem querer ser omnipotente, mas muito menos negligente, surgiu-me a ideia megalómana da criação de uma Entidade Reguladora Mundial que possa promover uma transição para um mundo mais justo, mais humano. Mas esta ideia não é inteiramente minha, esta ideia é fruto do que pensei, mas devo o que penso aos pensadores anteriores a mim, porque sem eles, não teria tanta informação para poder pensar nesta ideia. Peguemos noutro exemplo: As grandes empresas como a Apple ofereceram-nos a possibilidade de ter um smartphone, mas as peças utilizadas na produção desses mesmos smartphones foram um resultado de programas de investigação de desenvolvimento financiados pelos Estados, ou seja, por todos os contribuintes, todos nós. Podemos ir ainda mais além: é verdade que um cirurgião cardíaco, em norma, precisa de mais anos de estudo do que um eletricista, mas sem o eletricista, o cirurgião nunca poderia operar à noite, ou sequer olhar para um monitor que o auxilia no diagnóstico e na operação.

Não quero com isto sugerir que uma Entidade Reguladora Mundial, deva promover o comunismo, mas que felizmente, somos capazes de perceber que neste mundo globalizado, estamos interligados e somos interdependentes uns dos outros e da natureza. E por sabermos isto, é fundamental procurarmos uma sociedade mais unida, mais justa e mais Humana, isto é, se quisermos uma Paz estável e uma Terra habitável.

Lamentavelmente esta Guerra pode sugerir exatamente o contrário, que essa procura seja apenas utópica e que a Guerra “esteja-nos no sangue”. Por outro lado, grande parte do Mundo uniu-se e faz-nos pensar que embora difícil, pode ser: possível. Tenho a ideia de que as grandes mudanças surgem mais de dentro para fora do que tanto de fora para dentro. Isto é, por mais que os Governos e até as empresas tentem implementar medidas que promovam a transição de que o Mundo precisa, de pouco servem, se os cidadãos não se transformarem em conjunto. Aliás, os Governos normalmente só mudam, quando antes, as pessoas mudam.

Precisamos de um Mundo melhor, é verdade. Todos os dias, um pouco melhor. Mas antes disso, precisamos: de pessoas melhores. No final de contas, quem cria este Mundo, somos nós.

Putin não teria o poder que tem, se não fosse alimentado pelos seus fiéis.

Dizia Zeca Afonso: O povo é quem mais ordena.